quarta-feira, 28 de maio de 2008

O que se diz.

Não que as coisas estejam ficando mais fáceis, obviamente, mas é que reclamar cansa. Ano 1, ano de começos. Me lamento de vez em quando, mas não é essencial nem é a minha única forma de falar com o mundo e com as pessoas que eu tento manter um diálogo. É só um hábito que eu ainda tenho de vez em quando.
E sempre foi minha reação a um mundo que parecia ser falado de uma forma e mostrado de outra. Sabe, se era tudo tão bonitinho e alegre e tudo ia melhorar e é assim mesmo e as coisas passam e a vida segue e você tem que endurecer o tutano, moleque, porque nada funcionava?
Porque os desejos não encontravam pelo menos uma alternativa razoável pra se satisfazer?
Enfim, com o tempo, a idade e os eventos da vida, aprendemos a calar. A não falar. Essas coisas sobre as quais mentimos. E aí as coisas dão certo, às vezes. Aí aprendemos que dar certo não é o que importa. Que fazer dar certo é muito fácil. Mas não vale a pena tudo o que você jogou fora pela janela do Eu.
Então vêm os prazeres comuns, ocultos. Gostar de Clarice Lispector e fazer teatro são coisas sobre as quais não se comenta muito. Porque é um pouco proibido. Porque as pessoas não entendem. Cada vez mais você enterra o que você realmente queria (depois de, obviamente, descobrir que você nunca quer qualquer coisa por muito tempo) e só segue, com os dias, as coisas comuns e os desejos banais.
E você entende porque gente como Clarice Lispector é tida como genial. Precisa de coragem para dizer isso, nem que seja para si mesmo. Articular coisas do nível de uma Sarah Kane ou um García Lorca é muito difícil. Porque com o tempo aprendemos tanto a calar que a palavra não sai. Porque "esse tipo de coisa não se fala".
Sim, cada um tem vários discursos pra sustentar, um para cada máscara que escolheu. Mas isso vai uniformizando a um ponto que tem "certas coisas" sobre as quais não se fala, e essas coisas mesmo, faladas, não chegam àquela profundidade que você imaginou ou sentiu. Você tem que entender que o xis da questão é o caminho, o trajeto que a palavra faz.
Não conseguimos expressar aquilo que queremos, então temos duas opções: desistir e separar mundo interno e externo, cristalizando algumas coisas; ou tentar, tentar, tentar vencer essa barreira. Porque a coisa dita torna-se não aquilo que foi sentido, nem aquilo que as palavras por si só queriam dizer, mas algo mais além. A sua expressão se mistura com o que você é e com o que o outro escuta e forma uma coisa diferente. Tem um significado oculto, como aquelas sensações sobre as quais ninguém comenta e quando são compartilhadas por duas pessoas tornam-se marcas de brasa na história das nossas vidas.
Segredos, segredos, segredos. Subentendidos, silêncios e cansaços. Medos, paixões, desejos de intensidade contida.
O que importa é o entre, o meio, o "ainda não chegou mas também não começou agora".
E o que isso se torna.

"isso de querer
ser exatamente aquilo

que a gente é

ainda vai

nos levar além
"

(Paulo Leminski, Incenso fosse música)

2 Comentários:

Às 30 de maio de 2008 às 18:19 , Blogger Ramilla Souza disse...

Me lembro o tempo todo do Safran Foer. A vida dela era uma luta desesperada pra justificar sua própria vida, as pessoas para conter o dique e ela nunca, nunca ia amar nada de verdade. Não sei se tem a ver com o que você disse, mas é o que eu me lembro.
Pra mim fica mais fácil porque aquela fragilidade intensa, aquela agonia funda, de qualquer coisa (e de sempre dar outros nomes para essas coisas) vai tomando forma. Não que ela passe, mas agora eu quase a conheço. E aí é só falar. Não que seja assim fácil. Mas, quando você descobre, uma hora, que é só falar, aí qualquer coisa muda.
Acho que só é assim pra mim porque eu passei a vida carregando pesos que não existiam e ver, de certa forma, eles se aliviarem (ou serem desvendados) torna as coisas mais fáceis. Porque eu sei que uma hora eu só vou precisar falar. Mas você tem razão quando diz que "não conseguimos expressar aquilo que queremos", então eu vou tentar o resto da vida, ganhando algumas coisas e perdendo outras. E não é que se espere o momento exato. É só que algumas coisas precisam ser entendidas. Mas isso não é linear, então a gente vai soltando uns contos e umas performances no caminho.
Lembro de você me perguntando como consigo ser tão decidida. De pouco tempo pra cá descobri que tenho uma intuição forte. O que eu nunca soube e sempre neguei. Tudo que eu mesma me dizia.

"Ela enterrou a cabeça nas mãos. Mas por que não podia ser só mais um pouquinho vermelho?
A vida de Brod era uma lenta percepção de que o mundo não era para ela, e de que - fosse por que razão fosse - ela jamais seria feliz e sincera ao mesmo tempo. Ela sentia-se transbordar, sempre produzindo e guardando mais amor dentro de si. Mas não havia libertação."

 
Às 30 de maio de 2008 às 18:21 , Blogger Ramilla Souza disse...

"Ela sentia-se transbordar, sempre produzindo e guardando mais amor dentro de si.
Mas não havia libertação."




Sobretudo, não há libertação.

 

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