Pequenas epifanias.
Eu me lembro. Lembro quando o primeiro floco de neve da minha vida decidiu cair justo no meu olho. Lembro quando chorei por tanto tempo no avião a ponto de me perguntarem se eu precisava de água. Lembro de quando encontros em livrarias e praças se tornaram tão espelhados em si mesmos a ponto de não sabermos onde o fio da história começa. Lembro quando a coincidência me fez amaldiçoar qualquer coisa que passasse na minha frente. Lembro de ter medo de morrer de hipotermia e pedir para um amigo me manter acordado. Lembro de que quando houve risco REAL de morrer de hipotermia não havia ninguém por perto. Lembro de pancadas no ombro com as quedas que eram a única alegria pálida num lugar esquecido por Deus. Lembro do medo e do frio e da cidade brilhando sobre a neve. Lembro que passarinho quis pousar, não deu, voou. Lembro que ser fraco ou forte era só questão de impulso. Lembro de noites sob tetos não-familiares e mais momentos espelhados, quando a atmosfera tinha um tom rosa de carne e gosto doce, doce. Lembro do frio e dos abraços. Lembro da pedra que me pesava sobre o peito e que por isso virei gente. Lembro de querer dividir tudo. Lembro de querer aproveitar o momento. Lembro de só desejar que acabasse. Lembro do desejo impulsivo num quarto de hotel estrangeiro, uma moça muito assustada e ela nem falava minha língua. Lembro da descoberta dos nervos na ponta de cada dedo depois do gozo. Lembro do arrepio na espinha ao ver os espasmos no rosto (more smoke and mirrors). Lembro de como encher a cara de drogas não era solução, mas haviam pessoas que poderiam ter se tornado manchas, manchas que não precisavam ser cicatrizes e palpitações que sempre vão estar lá fora me esperando.
Lembro que o que me transformou não foi a desilusão, angústia infantil, mas o desamparo.
Lembro que eu precio segurar minhas pontas e desatar meus nós.
E lembro que estou sozinho, minha alma com o peso de uma música, a disritmia que faz uma baba negra vazar pelo canto do meu sorriso.
E que eu não sei o que vem depois.
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