O que se diz.
Não que as coisas estejam ficando mais fáceis, obviamente, mas é que reclamar cansa. Ano 1, ano de começos. Me lamento de vez em quando, mas não é essencial nem é a minha única forma de falar com o mundo e com as pessoas que eu tento manter um diálogo. É só um hábito que eu ainda tenho de vez em quando.
E sempre foi minha reação a um mundo que parecia ser falado de uma forma e mostrado de outra. Sabe, se era tudo tão bonitinho e alegre e tudo ia melhorar e é assim mesmo e as coisas passam e a vida segue e você tem que endurecer o tutano, moleque, porque nada funcionava?
Porque os desejos não encontravam pelo menos uma alternativa razoável pra se satisfazer?
Enfim, com o tempo, a idade e os eventos da vida, aprendemos a calar. A não falar. Essas coisas sobre as quais mentimos. E aí as coisas dão certo, às vezes. Aí aprendemos que dar certo não é o que importa. Que fazer dar certo é muito fácil. Mas não vale a pena tudo o que você jogou fora pela janela do Eu.
Então vêm os prazeres comuns, ocultos. Gostar de Clarice Lispector e fazer teatro são coisas sobre as quais não se comenta muito. Porque é um pouco proibido. Porque as pessoas não entendem. Cada vez mais você enterra o que você realmente queria (depois de, obviamente, descobrir que você nunca quer qualquer coisa por muito tempo) e só segue, com os dias, as coisas comuns e os desejos banais.
E você entende porque gente como Clarice Lispector é tida como genial. Precisa de coragem para dizer isso, nem que seja para si mesmo. Articular coisas do nível de uma Sarah Kane ou um García Lorca é muito difícil. Porque com o tempo aprendemos tanto a calar que a palavra não sai. Porque "esse tipo de coisa não se fala".
Sim, cada um tem vários discursos pra sustentar, um para cada máscara que escolheu. Mas isso vai uniformizando a um ponto que tem "certas coisas" sobre as quais não se fala, e essas coisas mesmo, faladas, não chegam àquela profundidade que você imaginou ou sentiu. Você tem que entender que o xis da questão é o caminho, o trajeto que a palavra faz.
Não conseguimos expressar aquilo que queremos, então temos duas opções: desistir e separar mundo interno e externo, cristalizando algumas coisas; ou tentar, tentar, tentar vencer essa barreira. Porque a coisa dita torna-se não aquilo que foi sentido, nem aquilo que as palavras por si só queriam dizer, mas algo mais além. A sua expressão se mistura com o que você é e com o que o outro escuta e forma uma coisa diferente. Tem um significado oculto, como aquelas sensações sobre as quais ninguém comenta e quando são compartilhadas por duas pessoas tornam-se marcas de brasa na história das nossas vidas.
Segredos, segredos, segredos. Subentendidos, silêncios e cansaços. Medos, paixões, desejos de intensidade contida.
O que importa é o entre, o meio, o "ainda não chegou mas também não começou agora".
E o que isso se torna.
"isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
(Paulo Leminski, Incenso fosse música)