sábado, 26 de julho de 2008

Pequenas epifanias.

Eu me lembro. Lembro quando o primeiro floco de neve da minha vida decidiu cair justo no meu olho. Lembro quando chorei por tanto tempo no avião a ponto de me perguntarem se eu precisava de água. Lembro de quando encontros em livrarias e praças se tornaram tão espelhados em si mesmos a ponto de não sabermos onde o fio da história começa. Lembro quando a coincidência me fez amaldiçoar qualquer coisa que passasse na minha frente. Lembro de ter medo de morrer de hipotermia e pedir para um amigo me manter acordado. Lembro de que quando houve risco REAL de morrer de hipotermia não havia ninguém por perto. Lembro de pancadas no ombro com as quedas que eram a única alegria pálida num lugar esquecido por Deus. Lembro do medo e do frio e da cidade brilhando sobre a neve. Lembro que passarinho quis pousar, não deu, voou. Lembro que ser fraco ou forte era só questão de impulso. Lembro de noites sob tetos não-familiares e mais momentos espelhados, quando a atmosfera tinha um tom rosa de carne e gosto doce, doce. Lembro do frio e dos abraços. Lembro da pedra que me pesava sobre o peito e que por isso virei gente. Lembro de querer dividir tudo. Lembro de querer aproveitar o momento. Lembro de só desejar que acabasse. Lembro do desejo impulsivo num quarto de hotel estrangeiro, uma moça muito assustada e ela nem falava minha língua. Lembro da descoberta dos nervos na ponta de cada dedo depois do gozo. Lembro do arrepio na espinha ao ver os espasmos no rosto (more smoke and mirrors). Lembro de como encher a cara de drogas não era solução, mas haviam pessoas que poderiam ter se tornado manchas, manchas que não precisavam ser cicatrizes e palpitações que sempre vão estar lá fora me esperando.

Lembro que o que me transformou não foi a desilusão, angústia infantil, mas o desamparo.
Lembro que eu precio segurar minhas pontas e desatar meus nós.
E lembro que estou sozinho, minha alma com o peso de uma música, a disritmia que faz uma baba negra vazar pelo canto do meu sorriso.

E que eu não sei o que vem depois.

domingo, 20 de julho de 2008

" ____* is like a faucet, it turns off and on. "

* É que eu não gosto de pronunciar essa palavrinha de quatro letras.


A memória, como diz Proust, não está localizada em nós, mas fora, em algum objeto externo, alguma coisa fora de nosso controle e completamente indiferente aos nossos desejos. A memória é involuntária. Quando coisas aparecem, ela volta. Como se estivesse só esperando, adormecida. Ou melhor, como se fosse realmente algo externo, não mental, mas físico, como as leis que regem a gravidade ou a termodinâmica.

"Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?"

"L___* dries up, I thought
as I walked back to the

bathroom, even faster
than sperm"

(Leminski e Bukowski)
*A mesma palavrinha irritante.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Ânsia.

Hoje eu estava lendo "O inventor da solidão", de Paul Auster, e notei umas coisas interessantes. Primeiro foi a coisa da memória. Eu não terminei o livro (é muito denso), mas ele fala como parecia que sua vida não se passava no presente, como tudo parecia estar definhando ou remeter a algo em seu passado. Nada parecia estar no agora. Tá, tenho que admitir, me identifiquei bastante com isso. Especialmente agora. Ok, talvez sempre tenha sido assim (tá vendo? Não vivo no presente). Mas o que me interessou também foi outra coisa. Foi ele falar que para ele a memória era o beisebol da infância. As memórias mais fortes que ele tinha eram do beisebol. E ele, no livro, estava morando sozinho num quarto pequeno poucos meses após a morte do pai e logo depois de um divórcio, o qual o separou de seu filho. Com todas essas coisas dolorosas sobrepostas, ele pensa em beisebol. Porque foi algo que marcou a infância dele, algo que dava a ele uma sensação de não ser um completo inútil em algo que fazia. A memória para ele se organizava como um jogo de beisebol. E eu fiquei pensando como ela se organiza para mim. Para ver se isso me dava algum insight sobre a vida, meu (bloqueado) processo criativo e todos os problemas que parecem rondar minha cabeça como uma nuvem negra, por mais que eu tente ficar longe deles.
O ponto central de Caio Fernando Abreu era a solidão. O da Hilda Hilst era Deus. O de Beckett era o ruído (e o silêncio por ele provocado).
Qual o meu? O que é que me move?
Descobri a resposta.
Intimidade.
Eu me lembro mais claramente desses momentos. Intimidade. Eu e o outro. Uma conversa, uma conexão, um toque. Sim, outras coisas também fazem parte, mas o crucial é a intimidade. Eu vivo em busca disso e por isso (já que é algo raro) eu me fodo. E vai ficar mais raro com o passar do tempo, eu sei. Mas eu preciso. E é muito fugaz o momento. É uma energia sutil demais. E, quando aparece, é necessário agarrar com unhas e dentes o momento. Só que quando passa, eu me abstenho de quaisquer outras ações e aí meus amigos, família, companheiros de trabalho, etc. ficam putos comigo. Mas notei hoje que não tem muito jeito. Eu só preciso aprender a sair quando for pra sair.
E aí me perguntei porque eu ando tão sozinho. E notei.
Eu não me dou tempo. Para as pessoas. Para as coisas. Para parar e ficar ao lado de alguém. Para terminar o que começo. Porque estou desesperadamente buscando esses momentos de intimidade. Acho que eu tenho esperança que o teatro me dê isso.
É meu tema. É isso que eu sou. Pelo menos agora, pelo menos em parte.
Intimidade. Afeto. Falta de contato. Eu e outra pessoa.
Sim, chame de carência afetiva. Não é isso. Pode ser toda a atenção do mundo, não me interessa.
Eu tenho que sentir.

Here. Inside. Here.

And when I don't feel it, it's pointless.
Think about getting up it's pointless.
Think about eating it's pointless.
Think about dressing it's pointless.
Think about speaking it's pointless.
Think about dying only it's totally fucking pointless.

Here now.
Safe on the other side and here.